Há 45 anos – mais precisamente no dia 11 de outubro de 1977 – o então presidente Ernesto Geisel assinava uma lei complementar que criava o estado de Mato Grosso do Sul. Desmembrado do estado vizinho, Mato Grosso, a criação desta unidade federativa só foi se consolidar em 1979, quando, de fato, foi implementado e “saiu do papel”.
Mas, isso todo mundo sabe. A pergunta que é pouco respondida é como eram essas terras do lado de cá, antes, muito antes de receber o nome de Mato Grosso do Sul. Para celebrar os 45 anos de MS, o Site CidadedasVogais preparou uma pequena série de reportagens, que serão publicadas nos próximos dias. Nesta, você vai conferir como era o território de Mato Grosso do Sul quando ainda tinha o nome do estado vizinho, antes de sua criação.
Apesar da assinatura da lei, a criação definitiva do novo estado se deu apenas dois anos depois, em 1979. A primeira eleição de Mato Grosso do Sul aconteceu em 1982 e elegeu Harry Amorim Costa como governador.
A história das terras que hoje são conhecidas como Mato Grosso do Sul é antiga. Centenária. Envolve tanto os povos originários, os indígenas, alguns até exterminados, como os que cruzaram oceanos para chegar até o Estado, como os alemães, árabes e japoneses.
Mas afinal, como esses povos chegaram ao Mato Grosso do Sul? De acordo com o sociólogo e professor Paulo Cabral, o Estado não possuía em seu território a região de Mundo Novo até Bela Vista. Eram cerca de 230 mil quilômetros quadrados, de uma área chamada de zona neutra. A área era um território Guarani/Kaiowá não ocupado por nenhum país.
O cenário muda quando os portugueses passam a fazer o movimento chamado de Entradas e Bandeiras, alguns com apoio oficial, outros com dinheiro particular. “Esse bandeirismo, que foi extremamente violento, vai permitir que os paulistas cheguem a diferentes partes do Brasil e aqui nessa parte central”, explica o sociólogo.
Diferentes caminhos levam a MS
Os bandeirantes utilizaram diferentes caminhos e uma das mais frequentadas foi a rota do Sucuriú, que os levaram até ao Varadouro de Camapuã. A Fazenda Camapuã pode ser considerada a primeira ocupação permanente em Mato Grosso do Sul, que fornecia aos expedicionários farinha de mandioca, rapadura, feijão, toucinho, charque e caminho para a travessia dos barcos.
“Nessas incursões era onde eles também aprisionavam indígenas para vender como escravos, até para financiar as expedições. Os primeiros habitantes do sul do Mato Grosso foram eles, muitos dizimados, como os Caiapó que foram varridos do lugar onde passavam as expedições bandeirantes e os Paiaguá também no final acabam desaparecendo”, relata Paulo.
Indígenas, espanhóis e portugueses
Em 1750, é estabelecido o tratado de Madrid, que determina a construção de fortes. Na região sul da então Capitania de Mato Grosso, são construídos os fortes de Nossa Senhora dos Prazeres, em Iguatemi, e o Forte Coimbra, em Corumbá. Em 1778, a cidade de Corumbá é fundada.
Os habitantes da região nesta época em maioria eram os indígenas, espanhóis e portugueses. A partir de 1778, o governo colonial implantou uma política mais efetiva para a povoação da área conquistada pelos bandeirantes.
“O município de Corumbá, criado em 1778, vai corresponder ao tamanho do estado do Mato Grosso do Sul atual. Pra você ver o quanto era despovoada essa região. Nós tínhamos só aquele núcleo que começa a surgir no Pantanal, Corumbá, e tínhamos a fazenda Camapuã”, afirma Paulo.
Mineiros e paulistas escolhem Paranaíba
Os mineiros e paulistas da região de Franca chegaram à região Sul de Mato Grosso no início do século XIX e se estabeleceram, especialmente, em Paranaíba, município criado em 1838. Na mesma época, os registros de terras começam e apontam propriedades enormes. Em 1855, apenas uma fazenda ia de Campo Grande até Aquidauana.
A Guerra do Paraguai inicia em 1864, evento que será decisivo para o povoamento do sul do Mato Grosso e para a identidade regional. Com o conflito, o governo voltou o olhar para a área porque era onde a batalha acontecia.
A guerra iniciou com a invasão de Mato Grosso pelas tropas paraguaias. Eles varrem toda a região sul do estado, tomam Corumbá e chegam até o Forte Coimbra, em Corumbá, e em Coxim com pretensão de ir para Cuiabá. Os paraguaios recuam por razões estratégicas, mas permanecem em Corumbá por quase três anos.
O conflito mostra ao governo que o flanco de Mato Grosso estava desprotegido e que era preciso protegê-lo. Depois da guerra, com a vitória brasileira em 1870, acontece a anexação dos 230 mil quilômetros quadrados que compunham a zona neutra de Mundo Novo a Bela Vista. Com a nova parte, é construído o tamanho do que será o estado do Mato Grosso do Sul.
Erva-mate atrai gaúchos
Com o início do ciclo da erva-mate em 1882, os gaúchos chegam ao Mato Grosso do Sul, enquanto fugiam de guerras no estado. Eles passavam pela Argentina, subiam pelo Paraguai e se estabeleciam em Ponta Porã. Nessa mesma época, os paraguaios também transitam pela região porque a fronteira seca não delimita com clareza os territórios de cada país.
Anos depois surge Campo Grande. Mesmo com ocupação anterior, a cidade só se estrutura a partir da segunda viagem de José Antônio Pereira, em 1875, acompanhado de 72 pessoas, e dá origem ao Arraial de Santo Antônio de Campo Grande.
“Em 1899, a gente tem a criação de Campo Grande, que se desmembra de Nioaque e de Coxim, que se desmembra de Corumbá. Quando Campo Grande foi criada tinha cem mil quilômetros quadrados e atualmente são oito mil e quinhentos”, descreve o sociólogo.
Estrada de ferro traz avanços para a região
A Estrada de Ferro Noroeste do Brasil foi inaugurada no início do século XX. De acordo com Paulo Cabral, este será o segundo elemento definidor da identidade sul de Mato Grosso, pois irá atrair imigrantes de vários países e impulsionar o trânsito entre cidades. O trecho que passa pelo Estado foi construído por questões estratégicas, para favorecer o comércio com a América Latina e defender a fronteira.
A presença de japoneses, especialmente da Ilha de Okinawa, é especialmente forte durante a construção da estrada de ferro. Os demais imigrantes, como árabes, italianos, portugueses, chegaram ao estado especialmente pela via fluvial, em Corumbá. “A gente tem essa presença árabe logo no final do século 19 que se reforça depois com a chegada da ferrovia que desloca o polo comercial de Corumbá para Campo Grande”, diz o professor.
Entre as décadas de 1930 e 1940, começam a chegar os nordestinos, atraídos para o garimpo, nos municípios de Alcinópolis, Rio Negro, Rochedo, Corguinho e Dourados, esta última cidade em razão da Colônia Federal Agrícola.
Alemães e gregos chegam a Terenos
As colônias agrícolas de Terenos começaram a receber alemães e gregos em 1940. Depois da Colônia Federal de Dourados, os municípios de Bataguassu, Batayporã e Nova Andradina recebem pessoas de Minas Gerais e de outras regiões do país. Muitos sulistas chegam a Naviraí na mesma época. Em 1967, o governo cria um programa em que doa terras aos brasileiros, o que atrai mais pessoas da região Sul, especialmente paranaenses e gaúchos.
Após a divisão do Estado em 1977, Campo Grande tem uma nova onda migratória de pessoas de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e sulistas. “A imigração se renova e ganha impulso. A partir daí, a gente tem uma estabilização nos anos 90 em que pode haver a recepção de imigrantes, mas não com os impactos que tiveram nessas primeiras levas”, conta Paulo.
Com influências de vários povos, MS tem 2,8 milhões de habitantes
De acordo com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Mato Grosso do Sul atualmente soma 2,83 milhões de habitantes, que reúnem influências de povos de diferentes estados e países, especialmente de localidades vizinhas.
O professor ressalta que a migração paraguaia foi constante durante todos esses anos, o que é possível observar com a forte presença de sobrenomes paraguaios em cidadãos sul-mato-grossenses. A culinária se faz presente com a popularidade do locro e da sopa paraguaia nos pratos regionais.
“A gente vai ter também o pão de queijo trazido pelos mineiros, a macarronada e a pizza pelos paulistas, o sobá dos japoneses, as sardinhas assadas dos portugueses, dos doces e salgados árabes. Tudo isso vai caldeando uma cultura que nos torna ímpares e todos os povos trouxeram influências importantes”, finaliza.